Description: O debate contemporâneo sobre a Inquisição trava-se normalmente em torno da sua razão de ser e dos seus objectivos. No entanto, a razão de ser e os objectivos do Tribunal do Santo Ofício não são unívocos nem fáceis de estabelecer. Eram religiosos (perseguindo e esmagando os chamados «judaizantes», «criptojudeus», «marranos», e todo o tipo de dissidentes e heréticos)? Eram políticos (servindo a centralização do poder do Estado-Nação na protomodernidade)? Eram sociais (abolindo a tolerância e a convivência entre nações e credos distintos)? Eram económicos (reprimindo a nova classe emergente da burguesia urbana mercantil)? Eram psicológicos (legitimando, e mesmo santificando, a hostilidade xenófoba e o ódio racial)? Eram pecuniários (espoliando os cidadãos ricos, independentemente dos seus credos, através de confiscações de bens e propriedades)? Eram burocráticos (promovendo a dinâmica e os interesses materiais e espirituais da própria instituição)?
Este livro resulta de uma reunião científica de um punhado de académicos que em 2016 se encontraram no Museu Judaico de Belmonte para discutir e debater a «Inquisição», o «Criptojudaísmo» e o «Marranismo». Para a elucidação do sentido destes três termos existem hoje as mais variadas interpretações e explicações. Porquê, então, voltar a fazê-lo? A resposta, parecendo simples, é deveras complexa: apesar dos inúmeros estudos que lhe foram dedicados após a sua extinção formal em 1821, a memória e as sequelas do nosso passado inquisitorial permanecem, ainda hoje, profundamente recalcadas. Por que razão a Inquisição portuguesa não encontrou resistência digna desse nome enquanto soube ou pôde durar? Não sem razão, ninguém regressa psicológica e eticamente imune dessa viagem ao inferno na terra depois de brevemente exposto à sua excessiva realidade. Numa certa medida, é como se aquilo que cada português pode descobrir no espelho baço da Inquisição não fosse mais do que as cinzas do seu próprio retrato. Um retrato cobardemente esquecido ao longo dos séculos.